sexta-feira, 14 de março de 2008

Filhos da Esperança, um ponto de vista.



Trazido como algo além do que os olhos captam no primeiro plano, o filme Filhos da Esperança (Children of Men, no original) seria veículo de diversas digressões filosóficas. Tal afirmação se vê reforçada pelo vídeo postado (no site http://www.youtube.com/) pelo pensador esloveno Slavoj Zizek.
O filme conta como um mundo em colapso espera o seu fim. Porém um evento muda a situação. Em um pedido inusitado o herói (Theo Faron, interpretado por Clive Owen) se vê envolvido no transporte de uma imigrante ilegal. Mas um novo degrau é aguardado para este, a mulher é a primeira grávida em 18 anos. Em meio a um desvirtuamento do movimento que assistia a transferência da mulher, há a intenção de usá-la como ferramenta política. Depois de muitos percalços o futuro pode ser vislumbrado ao final.
Com isto, poderia apontar como idéias do filme relacionadas com Filosofia a esperança, avanço cultural (mítica incluída) e moral.
A esperança se vê presente, e a conseqüente ação, toda a vez que a possibilidade de vida surge.
Já no campo cultural, tecnológico e social não se constata grandes avanços. Mesmo ambientado em 2027, pouca diferença é percebida com o ano da produção (2006). E tal fato foi intencional para o diretor por uma vez que as pessoas não possuem motivos para perseverar, pouco de novo será acrescido no campo sócio-cultural e no científico. Quanto à mítica, está nos nomes e alusões feitas no decorrer do enredo (o barco amanhã, a grávida brincando ser virgem, peixes, o caminho do herói) sem maiores intencionalidades de questionar os dogmas.
Moral é referente ao trato de um ser humano com outro. Como os cidadãos possuem privilégios que os refugiados não possuem. A temática pode ser vista no diálogo antes da eleição da nova liderança, em que uma vez o governo sabendo da criança de uma refugiada, iniciaria o dialogo para determinar se refugiados são gente. A conduta do valor do indivíduo é levantada nesta esfera.
Pelo vídeo citado no primeiro parágrafo, Zizek expõe que o melhor entendimento do filme está no pano de fundo, que a mensagem consta neste pano de fundo. Que este fundo é uma prisão para a esperança do herói. Onde os atos de alguns são depravação do real, e aí fazendo alusão às obras de arte, ou seja, atos isentos de sentido. Assim, pelo fundo abordar os temas de imigração, a tradição e a decadência cultural pós-68. No tocante à metáfora do barco, em este representar o estado de coisas, sem raiz, é deveras forçoso.
Contudo a visão do autor está um pouco mais ampla que o realmente mostrado. Pois, dada a sua formação psicanalítica, em especial na raiz lacaniana, há a busca por certos arquétipos existentes na construção de mentalidade. Extrapolando as temática da esperança e da mítica, incluso alargando os limites para abarcar questões de fertilidade (ante sexualidade conexa com fertilidade ser ponto apenas figurativo na fala dos personagens ao tratar de alguns eventos da história pessoal de cada um deles), não sendo em nenhum momento tratado sob todos os holofotes, mesmo sob o prisma da infertilidade espiritual (há messiânicos retratados na praça, há árabes engajados, etc...). Dar ênfase à sexualidade neste filme seria o mesmo que estabelecer construções pormenorizadas sobre o Estado de polícia que se instalou no ambiente do filme, outro figurante frente a "questão vida".
Pelo exposto, a película cativa pela dinâmica das imagens, em que tanto as pessoas de figuração como o ambiente exercem sua pressão nos personagens. O embate entre os planos da ação reflete a temática da estória, em que os segregados tentam a todo momento integrar a sociedade que os rejeita. O mais irônico é que no decorrer da trama não é o fundo de tela que passas ao primeiro plano, mas sim os heróis que, para sobreviver, são alijados para a paisagem, eles devem ter uma diminuição de status social para viver (e ter a chance de cumprir a jornada pretendida). Extraído este elemento, nota-se que a temática central (onde a aceitação, inclusão, discriminação, é tema secundário) é o sentido de finalidade da vida (propósito) e como esta se relaciona com conceitos como esperança, tolerância e barbárie. Da situação de caos pela impossibilidade de nova vida e do esforço ao perceber a chance de futuro, o que fica da experiência do filme é: que só se pode haver uma vida (satisfatória, feliz, ...) se há esperança (de futuro, continuidade, ...), e a esperança só é ativa com a projeção de vida. Ou seja, vida e esperança estão interligados, só pode haver um com o outro.

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