quinta-feira, 6 de março de 2008

Critica do Filme "Odisséia"

Para melhor compreender a crítica, segue-se o seguinte padrão. Primeiro, apresenta-se o conteúdo do filme. Depois faz-se a crítica em si do filme, e tal crítica não será arbitrária, será pelo cotejar de passagens do filme com elementos filosóficos.
Para aqueles que são familiares com a estória em questão, fica a pergunta de se o filme segue a narração homérica. Sim, tanto segue que a tentativa de conter todos os elementos no longa metragem acarretam uma duração expressiva.
A produção opta pelo nome grego do herói: Odisseu. Enquanto o filme anteriormente resenhado, "Tróia", favoreceu o nome latino (romano): Ulisses.
O diretor mostra a jornada de Odisseu desde antes da obra de Homero. Inicia com o nascimento do filho do personagem principal, Telêmaco. Na sequência mostra a cobrança do tratado grego por Menelau e Agamenon, redundando na marcha de Odisseu para a guerra com Tróia. Na continuação há uma forma abreviada dos 10 (dez) anos de combates com o (famoso) fechamento do cavalo oco (e a cidade murada arde).
Uma vez a vitória conquistada a viagem de volta está para começar. Porém, realizando a análise da deusa Atena, o ardor do sucesso em batalha aflora a vaidade e arrogância do herói. Em tom desafiador ele declara que tudo foi obtido pela empresa de homens, sem os deuses. Poseidon injuriado por ver sua assistência em silenciar o adivinho (o Deus envia uma serpente marinha para corroborar a estória do traidor heleno, fazendo com que Priamo leve o cavalo-oferenda para dentro dos portões da cidadela) menosprezada amaldiçoa o grego. Com o pouco caso do sagaz rei a partida é realizada. Aqui realmente começa a odisséia (palavra que ganhou os dicionários como percurso árduo que resulta em crescimento interior).
As aventuras obedecem os moldes do poeta grego, apenas com a falta dos atos de pirataria em Ismarus, os comedores de lótus, das sereias, da cara desolada de Aquiles no submundo, a figura de Laertes, e a intervenção final de Atena para evitar a vingança do povo de Ítaca contra Odisseu por ocasionar a perda de 2 (duas) gerações de homens. Assim, pode-se enumerar as aventuras: o embate com o ciclope Polifemo, a ajuda do Deus do vento Éolo (e a demonstração de como a curiosidade pode ser negativa), Circe, a ida ao submundo (e a conversa com o velho profeta cego Tirésias), os monstros Scylla e Caribdis, a ilha de Calipso, a denominada telemaquia (a jornada do filho do herói para coletar dados do pai), e a embaixada aos Faécios (que resulta em um desembarque na ilha de Ítaca, reino de Odisseu, e antecâmara para o massacre dos pretendentes).
O massacre dos pretendentes da esposa de Odisseu, Penélope, é mais um momento de catarze do que simbólico, pois é a intenção de todo indivíduo de se livrar dos usurpadores. É o fim ideal para os sofrimentos de uma pessoa, liberar a raiva em algo construtivo, tal como o pai aconselha o filho: " Ter raiva é fácil, ter raiva no momento certo contra a pessoa certa é que é difícil".
A crítica aqui não é destinada em um simples bom ou ruim. Ou então à uma análise dos efeitos especiais ou fotografia. Mas sim ligar elementos do filme com questões pontuais da Filosofia.
O primeiro ponto visado é o desafio de Odisseu. Pois aqui fica explicitada a vontade do homem em superar os deuses, se fazer autônomo. O personagem o faz afirmando que com a astúcia ele pode superar a divindade por crer que foi a idéia que finalizou a guerra e não o favor celeste.
A curiosidade prejudica. Isto é mais empregado por Homero como elemento de educação do cidadão almejado do que ponto de digressão. A ironia da liberação do vento do leste apenas a algumas milhas náuticas de Ítaca, dando seguimento à agonia, é um demonstrativo para o leitor ou ouvinte de que a curiosidade quando mal empregada resultará em atraso no percurso (seja qual for, desenvolvimento pessoal ou deslocamento geográfico).
A face do Aquiles falecido foi um ponto esquecido no filme, mas que é simbólico no livro. Mostra a passagem do ideal de homem grego pretendido. Revela que aquele que se funda apenas nas perícias físicas (bélicas) não será pleno. Apenas aquele que unir a aptidão muscular com o intelecto será feliz (logo, um ser pleno).
A figura de Laertes. outro ponto faltante na obra visual que é expressiva na visão homérica. É a demonstração da necessidade da legitimação da casa, o culto dos/aos antepassados. Com a visita de Odisseu e Telêmaco à antiga fazenda de Laerte (pai do primeiro) após matar os pretendentes/usurpadores.
Por fim, o diálogo com Tirésias. Ponto alto tanto no livro quanto no filme. Porque revela qual a finalidade da jornada, dos desafios. A resposta à pergunta da razão da aventura é conhecimento. O profeta cego afirma que a jornada só finalizará quando o personagem principal realizar quem ele é e onde ele vive. Conhecimento pessoal e do mundo em que se encontra. A frase demonstra que só será completo aquele que se conhecer e conhecer o seu mundo, a realidade em que está inserido. Todavia, o mundo/realidade só será possível, na concepção adotada nas obras mencionadas, pela noção de si. Assim, pode tudo ser resumido pela frase encontrada no Oráculo de Delfos: "Conhece a ti mesmo". A chave do passado, presente e futuro está na pessoa, e só se pode ter noção da pessoa, não pelo o que ela sabe, mas sim por onde ela esteve (o conteúdo absorvido pela vivência).

Um comentário:

Flor disse...

Olá! Estava vasculhando a net a procura de críticas sobre "A Odisséia", livro e filme. Já ia dormir (odeio pesquisar na internet!), quando encontrei este blogger. Que bom que não fui dormir!!! Gostei muito de suas reflexões (acabei lendo outras coisas aqui...rs), você não só escreve muito bem, organiza as idéias precisamente, como também estabelece relações muito interessantes, e consistentes, entre as obras que se propõe a analisar e a rica (e, certamente, próspera...) bagagem filosófica que traz contigo. Acho que vou virar visita constante...rs!
Um abraço e parabéns pela mente!