quinta-feira, 24 de abril de 2008

Porteiro SM e outros valores morais relacionados.

Outra análise de filme. A obra em questão é:
O Porteiro da Noite (Il portiere di notte, no original). Itália, 1974.
Direção de Liliana Cavani, no elenco Dirk Bogarde, Charlotte Rampling, Philippe Leroy-Beaulieu, Gabriele Ferzetti e Isa Miranda.
O ponto a ser vislumbrado no presente ensaio são os traços mentais que Lacan apontaria, e ainda o aspecto filosófico contido na obra sob a luz de Immanuel Kant.
Porém, antes de atacar a questão mostrada anteriormente, convém contar o filme em si.
Tudo começa treze (13) anos após a Segunda Guerra Mundial, em Viena, mais precisamente em um hotel na mencionada cidade austríaca. No momento em que Lucia Atherton, violinista em uma filarmônica americana, e seu marido, maestro do tido conjunto de sobro-cordas-percussão, chegam ao hotel, esta tem a impressão de conhecer o porteiro.
O porteiro por sua vez, durante a guerra, foi oficial da SS. Para esconder seu passado, trabalha compulsivamente e se reúne com seus colegas nazistas. Em dado momento do filme, revela que trabalha no turno da noite por ter vergonha da luz do dia, ela revela para o seu consciente o passado que quer ocultar.
Lucia tinha sido prisioneira em campo de concentração do 3º Reich, mas acreditava ter superado tudo com o transcurso do tempo, e sucesso na vida (seja o profissional, como o pessoal). Todavia, a impressão de já conhecer o porteiro perturba a personagem em questão. A noite ela volta a ter pesadelos com o período que experimentou treze (13) anos antes. E, pela má sensação, passa a evitar o porteiro quando os serviços desse são requisitados por seu marido.
Mas Maximilian Theo Aldorfer, o porteiro, Max para simplificar, percebe que há algo estranho quanto àquela mulher. Ele percebe e relata suas conclusões à sua confidente, a condessa. A condessa e amiga no círculo nazista recebe favores de Max, este arranja companheiros noturnos para essa, assim tendo sua reputação estimada no hotel e sua administração.
Neste passo, há o primeiro obstáculo para o clímax da película, o confronto entre Max e Lucia. Max pede que um colega o substitua em um evento para que possa ir ao quarto de Lucia. Esta se esquiva, mas é inevitável, ao se verem cara à cara a audiência espera ódio, entretanto o que se vê é uma paixão que ultrapassa os limites do comum, tanto que a crítica condenou como transgressão sexual.
Max é um sádico e um masoquista, já Lucia por perseguida no campo de concentração e protegida por Max claramente apresenta traços da Síndrome de Estocolmo. Chegando a realizar as fantasias do amado.
Eles retomam o que interromperam com os desenlaces da 2ª guerra mundial. E é aí que surge o próximo obstáculo da trama. Os colegas do regime anterior criaram um grupo de apoio, com alegadas bases psicológicas de curarem os que serviram naquele, e darem um seqüência de vida de pura paz. A questão é que eles "arquivam" as testemunhas, em outras palavras as eliminam. Ao ser confrontado pelos amigos, ele nega ter encontrado alguém que o conhecia antes de ser porteiro. As tentativas de Max falham, tudo é descoberto, e é exigida a presença da moça.
Como estratégia ele a acorrenta no apartamento, para que não a levem, e assim trabalhar tranquilo. Inútil, um representante chega até ela, e expõe o sadismo e a necessidade do testemunho de Lucia, todavia, ao perceber que a moça não percebe a realidade pelo quadro mental que apresenta uma solução é proposta, morte aos dois.
Para não possibilitar a solução, Max e Lucia se trancam no apartamento do primeiro. Os nazistas cortam o suprimento de alimentos para forçar a saída. O racionamento leva à fome. E uma única saída é vislumbrada, confronto.
O casal vai à rua, ela com um vestido que lembra momentos pretéritos e ele com seu uniforme da SS. Ao chegarem a uma ponte são mortos a tiros. Fim.
Onde se vê Lacan? Está no masoquismo e modo de pensar sádico de Max. Tal como em Freud, excessos sexuais estão mais ligados à pulsão de morte (tanatos) do que à pulsão de vida (eros). E assim se dá por haver a rejeição do objeto de desejo, espelhando a própria existência do agente. Tudo gira pela idéia da punição aplicada, o objeto não é mais simplesmente sexual, o aspecto sexual fica em um plano inferior enquanto o punir toma o centro das atenções.
Kant está na vontade. E só nela, pois a moral está totalmente entregue a vontade, logo corrompida, e então, não é moral. Relembrando, vontade em Kant é a delimitação de quanto as paixões incidem na atitude, a vontade egoística mancha a conduta. A maneira de agir livre e desimpedida ausente da incidência de qualquer paixão e desapegada de posterior reconhecimento redunda em virtude. O ser racional finito, que é o homem, só atinge a sabedoria prática, ou seja, só obtém para si um sistema de valoração, em si um dever, se age sem paixão, com a vontade de agir daquela forma exclusivamente. Este dever mencionado é o cultivo da virtude (a ética), meio de se aperfeiçoar. No filme há vontade, mas permeada de paixões, assim não há virtude e a configuração do dever é negada.

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